sábado, 17 de outubro de 2009

A vida: olhos sedentários ou ombros tensos.

YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY

Pequena cidade, de olhos sedentários.

Ele demora-se a levantar e, enquanto deitado, pensa no que há-de fazer.

Os verbos na pequena cidade são de uma beleza contemplativa ou de uma passividade desesperante: haver de fazer.


O dia é a interrogação que desperta um tédio antecipado.

Onde chega, sente que chega sempre rápido demais.

O relógio estende-se numa generosidade de minutos que nunca foi pedida.

Almoça em casa e não aproveita a calma e o conforto disso.

Rumina-o a queixa interior de ter demasiado silêncio à volta.
Queria espaços onde se perder. Espaços da grande cidade.

Tem uma infinitude de tempo para tudo mas perde parcialmente cada coisa na ânsia de uma coisa diferente.

Pensa na felicidade de se perder nas ruas e de não ter tempo para nada.

Quer esse cansaço feliz e o relógio que rouba minutos às horas.

***

Grande cidade, de ombros tensos.

Ele não julga possível o som do despertador e quase podia jurar que acabara de se deitar.

Os verbos nas grandes cidades são de um frenesim angustiante: vou fazer.

São afirmativos e não se compadecem com hesitações. Impacientam-se com os complementos directos.

Não digas o que vais fazer se nada te foi perguntado.

O relógio é o mesmo da pequena cidade e não é.
 
Deixou de ser generoso e agora engole os minutos dentro das horas.
 
Ele começa a racionalizar o tempo logo de manhã , que é o clássico das relações com bens escassos.


Tudo são listas que se multiplicam inexplicavelmente sob os “V” de visto e as cruzinhas do que que ainda falta fazer.

O “ainda falta” faz concorrência desleal ao “já só falta” e dizima totalmente o “já não falta”.

Nas filas de trânsito, ele tem vontade de partir os semáforos e demais obstáculos que se colocam entre si e o seu destino.

Não tem vontade nenhuma de se perder. Só quer encontrar-se e chegar.

O dia coloca desafios de curta e rápida resposta.

Uma conversa é mais a junção de dois breves monólogos que a afirmação de um diálogo.

Se sobra tempo, não se pensa no que fazer com o tempo que sobra:  faz-se.

A casa, de não habitada durante o dia, é o espaço que lhe atravessa o pensamento constantemente.

O cansaço pede o silêncio da pequena cidade. O silêncio sem listas de "V`s" e cruzinhas.

Ouvir música, ler excertos de livros e ir ao cinema tornam-se pequenos privilégios indescritíveis: o bónus que o tempo dá a quem conseguiu ser mais célere no trabalho e mais seco nas conversas.

A alegria do tempo faz pensar em tudo aquilo que se perdeu para o conseguir.

Os ombros descaem no sofá com a noite.

Noite de um dia que, de tão fugaz, nunca profundamente se vive.

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Alameda de Tílias