Bem-em-frente-ao-prédio, há um prédio.
Os dois altos, filas de janelas de vidro, em tons de cinza e um certo ar de importância, menos pelo que são, mais por onde estão.
Durante o dia, olho para o prédio bem-em-frente-ao-prédio, e vejo computadores por detrás dos vidros. E penso: "
se eu não me aproximar mais da minha varanda, vou achar para sempre que trabalho à frente de um prédio de máquinas".
Então, por vezes, aproximo-me da varanda. E vejo pequenos cérebros por detrás dos cubos digitais: meus pontos de luz, meus pequenos faróis multiplicados.
Há dias em que anoitece. [
anoitece sempre, mas anoitece mais nas vezes em que eu entro na noite]
E quando anoitece, o prédio bem-em-frente-ao-prédio fica iluminado, como quase não fica durante o dia.
Então, por detrás das máquinas, vejo uma imensidão de pontos negros: minhas âncoras de trabalho, minhas pequenas sombras multiplicadas.
Às vezes, amanhece.
Mas é sempre fora do prédio.
Diz-se que só amanheceu uma vez dentro do prédio.
Foi quando os pontos de luz se levantaram e foram colados às vidraças.
Distraídos pelo céu e pelas árvores, voltaram costas aos cubos digitais.
N.b.: Uma pintura de joachim-mcmillan: "buildings in motion".
3 comentários:
Excelente!
Podemos sempre "voltar costas aos cubos digitais", se não deixarmos de exercitar aquilo que amamos.
Em ti amanhecerá sempre...dentro ou fora do prédio.Voltarás as costas aos cubos digitais, como agora, para acarinhares as palavras que os cubos não conhecem.
Pintura muito bem escolhida, Joana Trigueiros. Bjs
Às vezes amanhece mais do que uma vez dentro do prédio...Mas a luz escapa-nos.
Tu és uma das privilegiadas que tem essa luz aí dentro.
Uma luz que partilhas em cada virgula e palavra que multiplicas em pequenas pérolas como esta, pedaços de ti a que regresso muitas vezes.
Continua assim, solar e bela.
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