domingo, 21 de novembro de 2010

chá&livros.


O  Jardim das Amoreiras é um dos meus poemas preferidos.

Um largo rectangular de casas baixas.

Um bairro em amarelo torrado com um pequeno quiosque ao centro e um tapete de folhas a servir de céu.

É a soma aritmética do Outono com o chá de frutos silvestres, o lápis e o livro.

[Releio "A floresta", de Sophia].


- A menina pediu um chá de frutos do bosque, certo? _  pergunta fatal, ruído no poema.

[O Norte diz "frutos silvestres" ou "vermelhos"; o Sul diz "do bosque"]

Eu digo que sim.
E penso que amanhã vou pedir chá de frutos vermelhos e do bosque e silvestres.
Não quero mais dúvidas a subtrair o ritmo à minha leitura.

O quiosque é envidraçado.

As folhas douradas caem como neve.

Ela vem de novo.

[Para roubar ao poema as silabas que lhe restam?]


O chá veio numa louça que não era a dele.

A chaleira não fumegava. As páginas do meu conto não foram inundadas de vapor, como eu queria.

A água vinha morna. Uma saqueta de chá entalada no pires. Açúcar em pacote. Colher de iogurte.

[Um pequeno golpe no meu momento literário].


O livro pedia um chá em louça imaculada,como a "Isabel" do livro.

Um chá com o bosque dentro,como o lugar de "Isabel" no livro.

Muito vermelho e umas folhas caidas por acaso, não sei se da chaleira se do céu de folhas.

Reconheci que o chá era indissociável do livro quando ao livro me faltou o chá.

* * *
Álvaro de Campos assistiu a tudo na mesa ao lado.

E escreveu que " (...) a minha alma partiu-se como [uma chávena] vazia/ (...) Caiu das mãos da criada descuidada/ (...) [e eu fiz-me] em mais pedaços do que havia [na chávena](...)".
 


Na imagem: O "Jardim das Amoreiras", in novosvoos.blogspot.com.
O último parágrafo do texto contém uma versão adaptada de um poema de Álvaro de Campos.
Toda a situação descrita neste texto é pura invenção literária: eu nunca bebi chá no Quiosque do Jardim das Amoreiras.

5 comentários:

Anónimo disse...

"Sentir sinta quem lê" :)
Não precisas explicar TUDO :)

the girl in the other room disse...

E a música a encaixar neste texto qual banda sonora do que eu acabei de "ver". Brutal, joana reis :)*

fã #2 disse...

queremos posts joni.mistral!

wild disse...

chá de frutos silvestres e um livro tu és feiticeira

Anónimo disse...

J.R. Parabéns. Estou fascinada com o teu talente literário. Já tinha conhecimento de que eras uma pessoa BEM FORMADA, mas surpreendes-me. É a primeira visita que faço ao blogue mas, serei segudora atenta, até nos meus momentos de solidão vão sevir-me de companhia. Ao ler os teus textos poetícos, eles tocam-me, identifico-me com tudo que escreves. Parabéns a ti e aos orgulhosos Pais.

Alameda de Tílias