"Acreditava-se nisso. Que o baile não era um simples conjunto de movimentos mais ou menos coordenados entre duas pessoas. Muito longe disso.
Tratava-se não somente de uma relação física, mas também de uma relação espiritual. Partilhar passos de dança era como que estar lado a lado numa experiência última e definitiva.
No baile, entre o par de dançarinos, como que existia um processo de osmose em que dois se transformavam num; equilibravam-se as substâncias, as suas concentrações, de modo a que no final não existissem desequilíbrios. Era impossível um casal dançar harmoniosamente, como se diz, sem que existisse entre eles uma circulação interna de materiais não visíveis.
Se um era bastante mais irascível do que o outro, no final tal não se notava; um ganhara, digamos assim, algumas gramas dessa característica enquanto o outro as perdera.
O baile era assim um método elegante de corrigir os desequilíbrios intelectuais, físicos, morais, económicos, culturais e comportamentais.
A verdade é que, quando as pessoas perceberam o efeito dos bailes, estes terminaram. Ninguém queria perder para o outro, para o seu parceiro, aquela concentração de qualidades que julgava ter. Cada um estava tão contente com pelo menos uma parte de si próprio que pensava que ficaria sempre a perder, qualquer que fosse o seu par.
Uns não queriam perder parte da sua inteligência, outros não queriam perder parte da sua musculatura, outros do seu dinheiro, outros da sua cultura.
As danças a dois terminaram.
Ficaram só as danças solitárias.
Um ou outro, dançando ainda, como que a recordar tempos antigos, frente ao espelho."
Gonçalo M. Tavares
Trabalhar para aquecer
Há 2 horas
4 comentários:
de onde é este texto?da visão?
não, é da voyeur;)
lol :)
n leias essas baboseiras...é propaganda de Direita ;)
Dançar, só a dois, evidentemente!
O baile era também uma forma calada de dizer.
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