"Se me dói tanto que as coisas passem/é porque em mim cada instante foi vivo/na luta pelo bem definitivo/que as coisas de amor se eternizassem." [sophia]
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Ímpares (I)
Despedida eterna
“Zé Luis:
Começámos esta tua última viagem (tu gostavas de viagens) na cama 56 dos serviços de cirurgia 1 do Hospital de Santa Maria. Lia-te poesia e um dia parámos neste poema da Sophia de Mello Breyner:
"Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A Força dos teus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias".
Assim foi.
No teu visionário e intenso mundo, a voracidade de um cancro traiçoeiro não te consumiu a alegria, a coragem, a liberdade.
Entraste pela morte dentro de olhos abertos. O mundo que habitavas era rico de ideias, de sonhos, de projectos, de honradez e carinho.
Percebemos o que ia acontecer quando no fundo do teu olhar sorridente brilhava uma estrela de tristeza. Quando te deixava ao fim do dia na cama 56 e te trazia no coração enquanto descia a Alameda da Cidade Universitária a respirar o teu ar da Universidade, das aulas e dos alunos que adoravas, do futuro em que acreditavas sempre.
Foste intolerável com a corrupção, com os cobardes e oportunistas. Não suportavas facilidades. Resististe à sordidez, à subserviência, à canalhice disfarçada de respeitabilidade e morreste como sempre viveste - livre.
Uma palavra para aqueles que te acompanharam nesta última viagem: para os melhores médicos do mundo, para as melhores equipas de enfermagem e de apoio, num exemplo de inexcedível dedicação ao serviço médico público. Vivi com emoção diária o carinho com que te cuidaram.
Uma palavra de gratidão sentida para o Professor Luis Costa e Paulo Costa. E para um velho amigo de sempre o Miguel.
Também para Laura e para o Jorge e para a minha mãe e toda a família que nunca te deixou.
Por fim uma palavra para aqueles amigos que inventaram uma barricada contra a morte no serviço de cirurgia 1, cama 56, e te ajudaram a escrever, a pensar, a continuar a trabalhar: o João Gama, o João Pereira e senhor Albuquerque, cada um à sua maneira.
Suspiraste nos meus braços pela última vez cerca da 1,15 da madrugada do dia 14 de Maio.
Vai faltar-me a tua mão a agarrar na minha enquanto passeávamos e conversávamos.
Provavelmente uma saudade ridícula, perante a força do exemplo e da obra que nos deixaste e me foi trazido por todos aqueles que te homenagearam - a quem deixo a tua eterna gratidão.
Tenham a coragem de continuar."
[16.05.2010 - Maria José Morgado]
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