quinta-feira, 8 de julho de 2010

Digo "Lisboa".



Digo:


"Lisboa"


Quando atravesso - vinda do sul - o rio


E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse


Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna


Em seu longo luzir de azul e rio


Em seu corpo amontoado de colinas -


Vejo-a melhor porque a digo


Tudo se mostra melhor porque digo


Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência


Porque digo


Lisboa com seu nome de ser e de não-ser


Com seus meandros de espanto insónia e lata


E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro


Seu conivente sorrir de intriga e máscara


Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata


Lisboa oscilando como uma grande barca


Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência


Digo o nome da cidade


- Digo para ver


"Lisboa"


Sophia de Mello Breyner Andresen

Na imagem: desenho de Manuel Faia.

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