Quero dizer-te que naquela noite.
Cobriram o Chiado de Verão e ouro.
E os meus olhos pararam nesse azulejo azul, que é um rio meu e nosso.
E eu quis que esse rio irrompesse pelas travessas da cidade e dobrasse as esquinas de todas as ruas para largar em cada casa o pedaço de céu branco que nos prometeu.
E eu quis que esse rio subisse a rua do Alecrim.
Para se inundar absolutamente de ti e chegar inteiro até mim.
Quero dizer-te que naquela noite.
O São Luiz foi uma casa cheia, e eu não tive comigo outros olhos, senão os teus, em cima do palco.
E ela cantou um fado. E ela dançou um tango.
E cada qual te transportava como esse rio que subia desenfreado pela rua do Alecrim.
***
Tinha rugas sem sentido. Cabelo cinza. Alfinete azul.
Duas alianças no dedo. Duas alianças.
Os olhos não repousavam no palco, como os meus.
Estavam suspensos no candeeiro de beleza antiga do teatro.
Eu percebi que era dali que vinham as mãos que ela queria. As mãos que lhe trouxeram dos gardenias para ti, ao som da Cuba que amou e que a fadista ao longe ecoa.
Eu estava no lugar das mãos que eram dela.
Ela estava no lugar dos olhos que eram meus.
- Vai a Cuba. E vai a Buenos Aires. Leva lá os teus olhos e traz-me de lá as minhas mãos.
{e eu vou. e eu vou.}
***
Quero dizer-te que naquela noite.
O meu nosso rio inundou todos os largos da cidade, roubou-lhe a noite, o Verão e o ouro..
E estancou a meio da rua do Alecrim.
Não se espraiou pelo Chiado.
{Não chegaste inteiro até mim}
Na imagem: "O Tejo visto da Rua do Alecrim", in http://urbansketchers-portugal.blogspot.com/2010/10/lisboa.html
2 comentários:
Jo, lindo... para desfalecer. Estive lá, sem estar. Ouvi o fado, subi a rua, vi o rio, desejei Buenos Aires e pedi:" Leva lá os teus olhos e traz-me de lá as minhas mãos."
Muito bom.
Filip
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