Talvez não o leias nunca.
Ou talvez o leias um dia, e não reconheças
que hoje te refiz nestas linhas
que hoje és só tu nelas
os teus dedos em vogal
e as tuas pernas em verbos dançáveis.
Talvez não o saibas nunca.
Ou talvez o saibas um dia
que o momento em que me falaste
da "segunda vida"
tatuou qualquer forma de salvação
na madeira do biombo
onde me guardo
Não há uma segunda vida para o que sonhas fazer.
E a ideia de uma segunda vida só é útil
se a consciência dessa ficção te apavorar.
Só o medo te impele à reacção.
Só a reacção faz da primeira e segunda vidas
uma vida [corajosamente] só.
Desde que nunca mais,
As tuas palavras caem-me aos tombos
pelo chão dos dias
roendo, desde que nunca mais,
os cantos das folhas onde me afundo.
As folhas onde alguém escreveu coisas secas
num fundo árido e rosa-pálido
para que eu as lesse e reproduzisse
e a reprodução fosse subitamente possível
nessas células que nasceram mortas.
Talvez não o ouças nunca
ou talvez o ouças um dia
que as tuas palavras me perseguem
Como o som do cravo
entre dois rumores nocturnos
Como se, desde que nunca mais,
a segunda vida fosse
a ampulheta silenciosa
que tu usaste
para me lembrar:
As palavras
são o único sangue
que bombeia o coração.
Na imagem: "Sophia", fotografada por Eduardo Gajeiro
2 comentários:
Talvez não o saibas nunca.
Ou talvez o saibas um dia
Que te deixas ficar em cada verso.
O biombo é translúcido.
A Palavra é luz que te revela.
Saberás/saberemos sempre que as tuas palavras são um hino à "PALAVRA".
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