sábado, 6 de fevereiro de 2010

"Mon Désordre."

Para onde vai o que escrevo quando não escrevo? Fica em que estante desarrumada da minha vida?
Fica num canto da que está cheia - e quase cai? Ou fica na estante alta e vazia?

Será que posso trazer de volta o que eu não escrevi?

E se pudesse trazer, onde o poria?

Às vezes, acho que tudo o que escrevo enquanto caminho não morre se o não escrevo.

Que ressurge parcialmente numa fracção de palavra ou sorriso.

Hoje acordei com uma frase que não via há anos.

Não posso dizer que era exactamente a mesma - creio que a frase primitiva era mais adjectivada porque o tempo era maior – mas a sua feição grave e inteira estava lá.

Quase posso dizer que a senti chegar. Não que ela se insinuasse a ponto de eu antecipar o seu regresso. Foi a circunstância que a anunciou, como se hoje fizesse o tempo da frase que eu perdera.

Eu aí penso: “O que eu não escrevi foi para a estante que estava cheia, e acabou por cair”.

*

Mas há dias em que acordo com frases inteiras e não tenho tempo para as frases com que acordei.

Tempo para as registar, dar-lhes uma ordem na prosa, pô-las a dançar no verso.

E sinto que adormeci sobre as frases com que acordei, para não mais lembrar. E não sei que rumos tomam elas depois ou que formas encarnam em mim.


Eu aí só sinto: “ As frases que eu não escrevi foram para a estante alta e vazia. Não voltam mais.”

*

Na imagem: pintura de René Magritte

1 comentário:

* disse...

brilhante, como sempre :)

Alameda de Tílias