segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Azul e prata.



[«há os velhinhos, os velhotes e a velhada»]

E tu, em nenhum deles.

Imobilizei a tua mão em cima do meu ombro, enquanto me mostravas Daniel Baremboim, em menino, e dizias o quão soberbo era a dirigir uma orquestra.

[«tens de ouvir piazzolla e carlos gardel por ele, em "mi buenos aires querido"»]

Há em ti uma melancolia que é saudade para lá da imensidão. Saudade dos velhinhos, dos velhotes e da velhada, que já cá não está.

A tua serena nostalgia cai em mim como o som do acórdeão em "invierno porteño".

Por isso, o teu afecto tem olhos azúis tão fundos e olha-nos como quem nos perde.

[mas nunca perderá, sabes? porque a tua mão ficou imobilizada no meu ombro
para lá deste fim de tarde de luz e nevoeiro]

A ternura com que os nomeaste fez-me querer ressuscitá-los devagarinho para partilharem o nosso chá e o nosso tango.

Queria imortalizar a delicadeza com que dizes a vida e reinventas a beleza das coisas.

[Falei-te do ténis. Acendeu-se um brilho em ti]
[«Os quatro torneios do Grand Slam. Os campeões históricos. O nosso professor em comum, que jogava uma bolada e puxava os calções para cima, lembras-te?»]

As tuas estórias foram as minhas únicas verdades naquele dia, douradas pelo teu cabelo de prata.

[«eu comprava senhas anuais para as tertúlias do Rivoli» - dizes; e acende-se o segundo brilho em ti]

Sentei-me ao teu lado na mesa e vi-te pedir perdão por não teres colocado o açúcar na xícara de H.
Lembro-me de pensar que me havia sentado ao lado da classe, da candura e da elegância personificadas.

Ter-te ao meu lado tinha não-sei-quê-de-cidreira, que acalmava mais que o chá.

Não falámos demais. Não foi preciso.

Contigo, os silêncios têm a textura das palavras.


[a tua mão pousada no meu ombro eternamente.
o brilho com que me explicaste o "adios noniño"
os teus olhos azúis
o teu cabelo de prata.

Em nada, velhinho.
Em nada, velhote,
Em nada, velhada.]


[pintura: C.Monet]


2 comentários:

Helena Trigueiros disse...

Só tu para dizeres o que tanto prezamos: inteligência,elegância, sobriedade naquele chá em casa dos primos que, como dizes, nada têm de velhada. Continua na onda da escrita, preciso dela!

wild disse...

que ternura com que vês a velhada! Rejuvenesci.

Alameda de Tílias