Na família-do-lado-da-mãe,
A despedida é um ritual de adiamento.
E as pessoas demoram-se umas nas outras, numa teia invisível de passado.
As vezes em que anunciam a partida são as vezes em que se deixam ficar: do almoço para o chá, do pós-chá para o jantar, do café para o pós-café.
Se a conversa dá sinais de cansaço, logo vem alguém que a reacende em brasa.
Há riso e dramatismo.
Frases hiperbólicas. Expressões quase cénicas.
Histórias antigas que parecem ter sido tiradas do imaginário "Enid Blyton" ou dos romances de Camilo.
Sempre qualquer coisa de demasiado porque a vida nunca foi para ser dita tal como ela é.
Às vezes, política e futebol. Outras, necessariamente nada.
Podemos alimentar-nos de nada com família, soube-o desde então.
Na família-do-lado-da-mãe,
Ninguém sabe verdadeiramente ir-se embora.
O adeus fica preso na soleira da porta de casa e volta a estancar nas portas do carro.
Às vezes, a conversa já não é conversa, mas vários monólogos compassados em bocejo, café, cigarro e sentimento.
E uma luz trigueira dentro desse quarteto, que parece arder até ao fim.
Uma luz de presença.. minha luz de eleição.
Por que se mantém uma tal luz, eu não sei.
[Pela resistência em regressar ao silêncio individual do pensamento.]
[Pela vontade de esticar o pretérito do tempo]
Na família-do-lado-da-mãe,
A luz de presença é como a última concha que os abriga antes de serem devolvidos ao mundo.
Por isso, onde vês pigmentos ténues de luz, eu vejo muralhas que os separam da solidão das horas.
[Luz aparentemente fraca como o são todas as coisas verdadeiramente fortes].
[E é quando, por fim, se apaga que lhe pressinto a eternidade].
[quadro: M.H.Vieira da Silva]
2 comentários:
Que coisas dizes, com tal verdade? Empalideci!Aqui está toda uma relação que tão bem entende. Sublinho a fina e arguta análise : [Pela resistência em regressar ao silêncio individual do pensamento.]
[Pela vontade de esticar o pretérito do tempo]. Também sentes esssa vontade de esticar?
IN GRAND!
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