terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

14.



"Não sei como dizer-te que a minha voz te procura


e a atenção começa a florir, quando sucede a noite

esplêndida e casta.

Não sei o que dizer, especialmente quando os teus pulsos

se enchem de um brilho precioso

e tu estremeces como um pensamento chegado. Quando

iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado

pelo pressentir de um tempo distante,

e na terra crescida os homens entoam a vindima,

– eu não sei como dizer-te que cem ideias,

dentro de mim, te procuram.



Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros

ao lado do espaço

o coração é uma semente inventada

em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,

tu arrebatas os caminhos da minha solidão

como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.

– E então não sei o que dizer

junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.

Quando as crianças acordam nas luas espantadas

que às vezes caem no meio do tempo,

– não sei como dizer-te que a pureza,

dentro de mim, te procura.



Durante a primavera inteira aprendo

os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto

correr do espaço –

e penso que vou dizer algo cheio de razão,

mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega

dos meus lábios, sinto que me falta

um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer

coisa extraordinária.

Porque não sei como dizer-te sem milagres

que dentro de mim é o sol, o fruto,

a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,

o amor,


que te procuram."


Poema de Herberto Helder, em Poesia Toda (Edição da Assírio&Alvim, 2006)
Na imagem: Arpaz Szenes e Vieira da Silva (composição retirada do blogue Alice Maravilhas: http://alicevioleta.blogspot.com/2011/04/vieira-da-silva-e-arpad-szenes.html)

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