"Se me dói tanto que as coisas passem/é porque em mim cada instante foi vivo/na luta pelo bem definitivo/que as coisas de amor se eternizassem." [sophia]
segunda-feira, 21 de março de 2011
Não completamente.
Uma tarde e um terraço sobre o Tejo.
Menina de branco, eu.
Realidade e riso, ela.
Ele: [ ].
Sentei-me dentro do Verão e ouvia-os não completamente.
Era preciso organizar um acampamento para crianças, ou inventar-lhes felicidade, que é a mesma coisa.
Ela trazia lápis, listas e papéis, que são coisas próprias da realidade. Tinha projectos concretos. Verbalizava emoções.
Ele acompanhava-a, não completamente. Não trazia nada e trazia tudo o que era preciso.
Nos dedos dele, estalava uma música que mais ninguém ouvia.
Eu assistia à forma graciosa que ela tinha de o chamar ao mundo das listas e dos papéis, que era precisamente a de nunca o chamar. Ela continuava a falar e continuava a rir. Assumia que uma fracção dele nunca estaria ali e alegrava-se pelo diálogo com a fracção que restava.
Percebia-o, e era tudo.
- Pode ficar assim o plano de actividades? [um quadro simétrico no papel]
- Não sei. Estive a pensar numa música. [uma espiral desalinhada pelo ar]
As suas mãos soltaram-se como tambores em cima da mesa.
Começou a cantar.
"(...) no Acampamento Baptista as meninas ao jantar cheiram a champô/cheiram a champô/o que seria exibição no Inverno/ o que seria exibição no Inverno/no Verão é detalhe terno(...)".
Poesia martelada pelo ritmo do teu sonho.
Ouvi-te completamente.
Estavam lá as crianças, afinal.
Estava lá o plano de actividades.
E uma certa expressão musicada de listas e papéis.
[o meu autismo não é autismo: é uma forma convexa e desgovernada de me apaixonar pela tua realidade]
Naquela tarde, que era um terraço sobre o tejo, foi inventada felicidade.
[Um quadro ou uma música.
Duas formas de lá chegar.]
[imagem: Vieira da Silva]
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3 comentários:
Gostei muito!
"[o meu autismo não é autismo: é uma forma convexa e desgovernada de me apaixonar pela tua realidade]"
m.
conhece na primeira pessoa o 'autismo que não é autismo'... Alguém escreve com o coração na ponta dos dedos :)
Saudades, Jones! *
Obrigada, J. e M..
Ler os vossos comentários é indescritivelmente preenchedor.
Um beijinho perdido de saudades!
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