quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O sonho.



Uma sala escura e uma cara que o computador fazia azul.

Dossiês abertos sobre as horas, páginas marcadas a um canto de cansaço, lápis e esferográficas pretas espalhados sobre a mesa.

Fado ou tango a entrar pelo trabalho dentro.

Algo de solidão e algo de calma.

Cabeça curvada sobre o teclado: lia.

Cabeça de frente para o computador: escrevia.

Cabeça voltada para a janela alta e branca sobre bairros de Lisboa.
A rua de Santa Marta. A rua de São José.
A casa de Natália Correia.
E ao longe, um bocado de Castelo. Iluminado este, alumiadas aquelas.

E três anos depois, a cara azul da neta reconhece os olhos azúis da avó dentro do vidro.
O rosto da avó pendurado na vidraça, bondoso e vigilante.

*

Parecia que me abraçava: candeeiro a meia luz do cansaço que se me entranhava.

Levantei-me, abri a janela para ver em que rua, casa ou gente pousavam os teus pés.

Mas tu estavas suspensa sobre a cidade, minha vela azul.

Os teus olhos brilhavam mais do que nunca e eu confirmei que Deus inventou uma tonalidade de azul só para ti.

Não nos mexemos mais e não dissemos nada porque ambas sabemos o que se passou nestes três anos em que estiveste dentro do vidro da minha vida.

*

Sala clara, dossiês fechados, páginas imaculadas, computador desligado.

Algo de saudade a entrar-me pela alma dentro.

De novo, fado. De novo, tango.

Cidade silenciosa. Indefesa.

E, ao longe, um bocado de castelo.

Volto todos os dias à sala e vejo o vidro húmido.

Húmida é a areia depois do mar.



3 comentários:

Helena Trigueiros disse...

Estranho para muitos, não para nós que também vivemos muito suspensas e etéreas. Entrei no sonho ou nem saí dele?

R. disse...

E assim respondeste à minha pergunta de ontem.

Me, Myself and I disse...

Adoro a última frase.Basta uma destas para começar um livro :)

Alameda de Tílias